domingo, 19 de outubro de 2008

Metade (Oswaldo Montenegro)

Foto: Inmagine


Que a força do medo que tenho

não me impeça de ver o que anseio

que a morte de tudo em que acredito

não me tape os ouvidos e a boca

porque metade de mim é o que eu grito

mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe

seja linda ainda que tristeza

que a mulher que amo seja pra sempre amada

mesmo que distante

porque metade de mim é partida

mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo

não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

apenas respeitadas como a única coisa

que resta a um homem inundado de sentimentos

porque metade de mim é o que ouço

mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora

se transforme na calma e na paz que eu mereço

e que essa tensão que me corrói por dentro

seja um dia recompensada

porque metade de mim é o que penso

mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste

e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

que o espelho reflita em meu rosto num doce sorriso

que eu me lembro ter dado na infância

porque metade de mim é a lembrança do que fui

a outra metade não sei.

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

pra me fazer aquietar o espírito

e que o teu silêncio me fale cada vez mais

porque metade de mim é abrigo

mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta

mesmo que ela não saiba

e que ninguém a tente complicar

porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

porque metade de mim é platéia

e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada

porque metade de mim é amor

e a outra metade também.

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