sexta-feira, 30 de março de 2012

No vale de ossos sertanejo



No vale de ossos sertanejo
carcaças luziam, luzidias
a beira da estrada
empoeirada
rangendo, rangentes
dependurados fantasmas
secando ao sol 
balançantes, almas perdias

Canudos

Corredor de sombras, vultos
perseguem o soldado, forasteiro
em terras de Marias, Joões
milhares
e de um só Conselheiro

Aqui as árvores são espíritos
selvagens 
espinhos vorazes aflitos
armando tocaias
benditos santos
misturados a paisagem
odiados bandidos

Matadeira!

Vem de longe, vem certeira
Nem se pode carregar
Empurrar? Mais que desgrama!
Matando gente na lama, morrem
centenas, um mesmo azar
Cobiça!

Coronéis e partidários
Igreja e Governo
Unidos no propósito:
os santos excomungar!

Na estrada, a alma penada
dependurada no espinheiro
gargalha
ao raso que se apavora
no ruído do seu estalar

Os corvos lhes cumprimentam
Agoireiros
roendo as carnes nauseantes
fétidas carniças
dos mortos, jagunços errantes
daquele lugar

Bendigo aos visitantes do meu pomar!

Esturricados homens no rito
vultos dançantes, perdidos
Canícula
assando,
cozinha-os vivos

No alto carcará sorridente
quase nas nuvens
Ainda que nuvem não há!
Repara o aroma das gentes
soprando a morte seu cheiro,
das profundezas ele o sente

Carcará, carcará
com bico de cutelo
Não é urubu, mas um dia chega lá!


*************


Canudos, terra condenada
Bebe do sangue o chão
abrindo a boca engole
valentes e esperançosas almas
Mães, mulheres, amantes
Pais, filhos, avós 
Soldados
Algazarra de vermes sugando
cada qual o seu quinhão


Eis que se cumpre a profecia
Antonio, o Conselheiro, alarmou
O Sertão vai virar mar!


Sobre a cidade banida, represa
cobre, mas não apaga vestígios
da arrogância, preconceito
contra o valente, sobrevive
marcas permanentes  
na mente um grito:


Viva Canudos, massacrado, nunca vencido!


Joice Furtado - 30/03/2012

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